Escassez de caminhoneiros preocupa empresas e ameaça o transporte de cargas no Brasil

Número de motoristas habilitados cai quase 63% em dez anos; envelhecimento da categoria e falta de atratividade dificultam reposição de mão de obra

O Brasil enfrenta uma queda histórica no número de motoristas de caminhão. Segundo a Senatran, a quantidade de habilitados para veículos de carga recuou quase 63% em uma década. O envelhecimento da categoria, o custo elevado da habilitação e a precariedade nas estradas têm afastado novos profissionais. Empresas do setor logístico começam a formar motoristas dentro do próprio quadro de funcionários.

Número de motoristas de caminhão despenca no país


Entre 2014 e 2024, o número de condutores com Carteira Nacional de Habilitação (CNH) categoria C caiu de 3,58 milhões para 1,33 milhão, segundo dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran).

Embora nem todos os habilitados atuem como caminhoneiros, a redução é sentida diretamente pelas transportadoras.
“Tem caminhões parados por falta de motorista. Há o equipamento, mas não há quem dirija”, afirma Delmar Albarello, presidente do Setcergs, sindicato que representa empresas do setor no Rio Grande do Sul.

Profissão envelhece e deixa de atrair jovens


De acordo com pesquisa da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), a idade média dos caminhoneiros brasileiros é de 46 anos. Quase 30% estão entre 46 e 55 anos, e 23% já têm mais de 56.

“Antes o pai passava o caminhão para o filho. Hoje, se pode pagar uma faculdade, ele não quer que o filho vá para a estrada”, diz Alan Medeiros, assessor da CNTA.

O desinteresse é explicado por fatores como falta de infraestrutura adequada nas rodovias, medo de assaltos e desrespeito à Lei do Piso Mínimo de Frete, criada em 2018 após a greve dos caminhoneiros.

A pesquisa mostra que 68% dos motoristas afirmam que o piso raramente ou nunca é respeitado nas negociações. A lei é contestada pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) e aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), sob relatoria do ministro Luiz Fux.

Jornada e descanso geram controvérsia

O tempo de descanso obrigatório também é tema de disputa judicial. O STF, em decisão de 2023, considerou inconstitucional o trecho da Lei dos Caminhoneiros (13.103/2015) que permitia fracionar as 11 horas de repouso a cada 24 horas.

Desde janeiro de 2025, a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) passou a multar motoristas e empresas que descumprem a norma.

Para Delmar Albarello, a medida ignora a falta de pontos de parada nas rodovias.
“O governo não oferece locais seguros para descanso. Como o motorista vai ficar 11 horas parado no meio do nada?”, questiona o dirigente.

Estradas precárias e alto custo de entrada afastam novos profissionais

A CNTA contabiliza apenas oito pontos de parada e descanso (PPDs) específicos para caminhoneiros em todo o país, todos geridos por concessionárias. Outros 176 postos de combustível foram certificados, mas motoristas relatam cobrança para estacionar e falta de segurança.

Com a precariedade das estradas e o tempo longe de casa, muitos profissionais têm migrado para o transporte por aplicativos, que exige investimento menor e permite maior convivência familiar.
“Um caminhão, mesmo usado, pode custar R$ 1 milhão. Um carro de aplicativo custa uma fração disso”, explica Maurício Lima, sócio-diretor do ILOS (Instituto de Logística e Supply Chain).

Nos Estados Unidos, diz ele, as rotas raramente ultrapassam 500 km, enquanto no Brasil há viagens de até 3.000 km feitas por caminhão. “Com 65% das cargas nacionais transportadas por rodovias, a escassez de motoristas pode frear o crescimento econômico”, afirma.

Empresas passam a formar seus próprios caminhoneiros

A Ativa Logística, que opera centros de distribuição no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, adotou um modelo de formação interna.
O paulistano Tiago Santos de Souza, 37, começou como ajudante de manutenção e hoje dirige carretas após incentivo da empresa.
“Eles me ajudaram a tirar a habilitação. Viajo e volto no dia seguinte, fico mais perto da família”, conta.

Com o custo médio de R$ 4.900 para tirar uma CNH profissional, empresas e sindicatos têm buscado alternativas. O Setcergs, por exemplo, oferece linhas de crédito com juros subsidiados e condições especiais para quem deseja ingressar na profissão.

Inclusão feminina ainda é desafio


As mulheres representam apenas 1% dos caminhoneiros no Brasil, segundo o Setcergs.
“Há um vasto espaço para elas ocuparem. O setor está aberto, mas ainda precisa se adaptar”, diz Albarello.

Perspectivas para a próxima década

Especialistas afirmam que a escassez de motoristas tende a se agravar nos próximos anos.
“Não haverá um apagão repentino, mas a baixa oferta já limita a expansão do setor e pode travar o crescimento da economia”, avalia Maurício Lima, do ILOS.

Ele acredita que o modelo tradicional do caminhoneiro autônomo tende a mudar. “As empresas precisarão contratar mais motoristas fixos e investir em frota própria. O setor viverá uma transformação estrutural.”


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